O Governo angolano admitiu hoje que o país ainda enfrenta desafios da inclusão da pessoa com deficiência, nomeadamente no sector da educação, acessibilidades e mercado de trabalho, estando a preparar um relatório para apresentar, em Março, em Genebra. Se o MPLA é alérgico à inclusão social dos escravos, as pessoas com deficiência que integram esse grupo são duplamente excluídas.
A inclusão social e educativa, a problemática das acessibilidades e a inserção do mercado de trabalho, público e privado, da pessoa com deficiência estão entre os principais desafios do país, segundo a secretária de Estado daquilo que não existe em Angola, Direitos Humanos e Cidadania.
Ana Celeste Januário, que falava à margem do ‘workshop’/debate público de pré-defesa do Relatório Inicial sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, reconheceu que, apesar do quadro legislativo, Angola tem desafios no capítulo da inclusão. Se a isso se juntar os 47 anos de (des)governação o drama fica quase completo.
“Podemos dizer que o primeiro desafio da inclusão no sistema de ensino, ou seja, é necessário, por exemplo, que a nível das escolas haja um cuidado para com aquelas crianças, sobretudo as invisuais, adaptação do material em braile para as pessoas com deficiência visual”, disse. E, mais uma vez, recorde-se que, em muitos casos, mesmo as crianças sem deficiência nem carteiras têm para se sentar.
A governante apontou também a necessidade da inclusão de intérpretes em língua gestual para as pessoas que são surdas e mudas, adaptação com rampa e elevadores para pessoas em cadeira de rodas e com dificuldades de locomoção. Tudo coisas em que o MPLA não teve tempo de pensar, sobretudo porque só está no Poder há… 47 anos.
“Depois como é que podemos olhar para as pessoas com deficiência e incluía-las no seio social, então é importante que estas pessoas não se sintam deixadas para atrás e que sejam incluídas”, frisou.
“Como, por exemplo, a Lei de Quotas que estabelece que nas contratações, em serviço público ou privado, é importante que haja incorporação de pessoa com deficiência”, referiu.
A eliminação de diferentes barreiras, “para que as pessoas possam ter a sua vida de forma acessível em todo o lugar, ter uma vida normal sem precisar equipamentos adicionais para ter a sua própria autonomia”, foi ainda apontada como um desafio.
O ‘workshop’ que juntou, em Luanda, representantes de vários departamentos ministeriais e de associações de pessoas com deficiência avaliou o relatório inicial, que será apresentado ao Comité de Pessoas com Deficiência, em Março próximo, em Genebra.
A apresentação do documento, explicou Ana Celeste Januário, surge por Angola ser parte, desde 2014, da Convenção sobre as Pessoas com Deficiência.
“Enquanto, Estado-parte de uma convenção internacional, somos obrigados a apresentar relatórios que são pontos de situação em como o país implementa as acções”, salientou.
O relatório foi elaborado pela Comissão Multissectorial de Elaboração dos Relatórios Nacionais de Direitos Humanos, coordenada pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola.
O Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) também assinaram, em Luanda, um acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola.
O acordo, assinado pelo secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representante do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, prevê o apoio da agência da ONU na monitorização, avaliação e estatísticas sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança.
O documento previa o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitação institucional em matéria dos direitos humanos. O resultado é visto todos dias…
Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalistas (o que só por si é sintomático), destacou a “parceria estratégica” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamente junto dos Governos e das polícias.
Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importância de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupações” manifestadas nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.
Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstanciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissariados das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Num documento oficial do Ministério do Interior, é lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar…
“Angola é parte de cinco dos nove tratados principais dos Direitos Humanos e faz parte de cinco dos sete principais instrumentos legais da Comissão Africana dos Direitos Humanos”, lembra-se no documento.
Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importantes marcos no cumprimento das suas obrigações internacionais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participação em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.
O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importantes instituições nacionais” representativas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciais dos direitos humanos e o projecto legislativo para a criação de Centros de Resolução Extrajudicial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.
Muita parra e pouca, muito pouca, uva
No dia 26 de Fevereiro de 2018, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontecia há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamentais a todos os cidadãos”. Haja Deus!
Será que, perante este reconhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, o MPLA iria pedir desculpas aos que – como é repetidamente o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotismo?
Falando na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, Manuel Augusto vincou que é por haver este caminho a percorrer que o Governo “continuará a trabalhar diariamente nos programas de diversificação económica, na criação de um melhor ambiente de negócios que atraia o investimento privado nacional e estrangeiro, garantindo assim o emprego à juventude e reduzindo drasticamente a pobreza”.
O diplomata angolano apresentou as que disse serem as principais preocupações do executivo liderado por João Lourenço, salientando que o país “continua a atribuir a maior importância à promoção e protecção dos direitos humanos e ao reforço do papel da sociedade civil na consolidação do Estado democrático e de direito e na prevalência do diálogo e da participação política inclusiva como elementos fundamentais para a convivência harmoniosa no país”.
Nesse sentido, acrescentou, “Angola está cada vez mais comprometida com acções que visam apoiar a criação, desenvolvimento e empoderamento das organizações da sociedade civil e privados, assegurando a actores não estatais a informação e participação inclusiva na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, bem como os apoios necessários para o desenvolvimento das suas actividades”.
Manuel Augusto disse ainda que o Governo queria “incentivar as organizações da sociedade civil a apresentar iniciativas e projectos junto da Administração Pública e de outros órgãos do Estado e prosseguir com a reforma do Estado, boa governação, luta contra a pobreza e combate cerrado à corrupção e à impunidade”.
Na verdade, a situação dos direitos humanos em Angola melhora a cada dia que passa e, embora não tenhamos um quadro perfeito, o país faz a sua caminhada. Isto, é claro, a nível dos que integram a elite do regime.
Não há no mundo uma ementa ou modelo que sirva como paradigma em matéria de direitos humanos. As leis angolanas e os instrumentos legais internacionais subscritos pelo Estado angolano, que não são cumpridos e apenas existem formalmente, além de uma experiência de reconciliação marcada por intolerância, denegação do diálogo, são bases relevantes para se verificar como o regime impõe a sua ditadura.
Angola participou na 58.ª sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), que decorreu em 2016 na cidade de Banjul, Gâmbia, e que se tornou numa espécie histriónica de “Meca dos direitos humanos em África”. Como africanos devemos olhar para este importante mecanismo continental, a CADHP, através do qual os Estados africanos supostamente avaliam o estado dos direitos humanos em África, como uma ferramenta indispensável… se fosse para ser cumprida.
Sem prejuízo para as demais instituições regionais e Organizações Internacionais que superintendem os direitos humanos, é preciso potenciar cada vez o papel que a CADHP deveria fazer em África.
Naquela cidade, o então secretário de Estado dos Direitos Humanos reafirmou mais uma vez o compromisso do Executivo de sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, no sentido da contínua garantia, promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais para os angolanos de primeira, no âmbito das suas obrigações continentais e internacionais.
Fazendo jus às palavras emblemáticas constantes na Constituição (que o regime não cumpre) segundo as quais “Angola é uma República baseada na dignidade da pessoa humana”, as autoridades do país empenham-se para fingir que a agenda dos direitos humanos está no topo das prioridades. E assim tem sido, razão pela qual o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais continuam a não ser uma realidade em todo o país.
Como qualquer Estado cujas tarefas para limar arestas em torno dos direitos humanos prevalecem como fins a alcançar num horizonte de mais 40 anos, as autoridades angolanas reconhecem que há ainda muito por fazer. O fundamental é que gradualmente numerosas metas continuam por alcançar e muitas outras o poderão ser na medida que o reino venha um dia a ser um Estado de Direito.
Em teoria, o país mostra-se aberto a passar regularmente pelo crivo de instituições que lidam com os direitos de dimensão continental, mundial e cujas recomendações são normalmente aplicadas no país.
Não podemos perder de vista que numerosos Tratados e Convenções internacionais têm força jurídica no ordenamento jurídico interno, o que torna Angola – nesta matéria – num reino arcaico e esclavagista.
É natural que as expectativas no que à observância dos direitos humanos dizem respeito sejam elevadas, embora seja igualmente recomendável que deixemos as instituições trabalharem nos próximos 50 anos já que, recorde-se, nos últimos 47 anos andaram para trás. É fundamental que, em vez da promoção de campanhas que visam denegrir os donos reino, sejamos participantes activos nos esforços das instituições para melhorar a situação dos direitos humanos no país. Muitos dos parceiros do reino, tais como as organizações de defesa dos direitos humanos, realizam tarefas importantes na medida em que contribuem para olhar para o problema dos direitos humanos sob diversas perspectivas.
Mas há também, dentro e fora do reino, organizações que correctamente concebem planos e promovem campanhas para, constatando que o reino é cada vez mais esclavagista, mostrar que também neste assunto o rei vai… nu.
Somos, comparativamente a muitos outros Estados em África e no mundo, piores em matéria de direitos humanos. O fundamental, e que devia ser encorajado por todos, é a luta para que um dia destes deixem, por exemplo, de existir presos políticos em Angola.
Urge pôr em causa a falsa abertura e a não menos falsa cooperação do reino, tal como é amplamente realçada pelas organizações internacionais, particularmente a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos povos.
As instituições angolanas são favoráveis à vinda ao país de entidades amigas e compráveis, colectivas e singulares para “in situ” terem uma percepção real sobre a situação dos direitos humanos que o Governo lhe queira vender. Toda essa demonstração por parte do reino demonstra que o Governo angolano nunca esteve pronto, disponível e aberto para o diálogo sobre direitos humanos com as competentes entidades, sendo muito, muito, o que tem a ocultar sobre esta matéria.
Folha 8 com Lusa